A ascensão da inteligência artificial na assessoria de imprensa: revolução ou ameaça ao valor humano?

A ascensão da inteligência artificial na assessoria de imprensa: revolução ou ameaça ao valor humano?

A inteligência artificial está a transformar a assessoria de imprensa. Descobre como usá-la sem perder o toque humano e ético da comunicação.

Num mundo onde a informação circula à velocidade de um clique, a assessoria de imprensa enfrenta um novo paradigma: o impacto da inteligência artificial (IA). Desde 2023, a presença de sistemas inteligentes na comunicação empresarial deixou de ser um tópico de futurologia para se tornar uma realidade em expansão.

Ferramentas como o ChatGPT, Jasper ou o Notion AI estão a ser integradas nos fluxos de trabalho de agências, departamentos de comunicação e freelancers em todo o mundo. Mas será a IA uma aliada eficaz ou uma ameaça ao papel insubstituível da criatividade e sensibilidade humanas?

O panorama atual da assessoria de imprensa – o antes da inteligência artificial

A assessoria de imprensa sempre foi uma arte assente em relações humanas, timing estratégico e sensibilidade noticiosa. Antes da chegada em força da inteligência artificial, este universo operava segundo três pilares: relacional, editorial e logístico.

No pilar relacional, os assessores de imprensa construíam relações de confiança com jornalistas e editores ao longo de anos. Conheciam os seus interesses, os seus prazos e os formatos preferidos de comunicação. O sucesso dependia menos da tecnologia e mais da empatia, da persistência e da leitura das entrelinhas.

No plano editorial, destacava-se a capacidade de identificar aquilo que era verdadeiramente notícia. A escrita de um press release exigia não apenas correção formal, mas sobretudo o domínio do tom jornalístico, da pirâmide invertida e da adaptação ao meio de destino. Um bom assessor sabia como transformar uma simples mudança de liderança num ângulo relevante para os media.

Finalmente, o pilar logístico envolvia tarefas menos visíveis mas críticas: manutenção de bases de dados, clipping manual, criação de relatórios de cobertura mediática, follow-ups exaustivos com redações. Esta dimensão era aquela que consumia mais tempo e menos valorização trazia.

Este modelo tradicional começou a dar sinais de saturação à medida que o volume de canais, o ritmo da informação e a exigência de resultados se tornaram exponencialmente maiores. O jornalista de hoje recebe centenas de emails por dia. A competição por atenção intensificou-se. E o modelo humano, por muito eficaz, não era escalável.

Em 2022, num inquérito global realizado pela Cision, mais de 68% dos jornalistas afirmaram ignorar comunicados de imprensa não personalizados ou demasiado genéricos, e mais de 50% dos assessores reconheciam dificuldades em acompanhar os KPIs de performance dos seus envios.

Neste contexto, a assessoria de imprensa encontrava-se num dilema: manter-se fiel a um modelo baseado em relações e expertise, ou arriscar-se a adotar ferramentas capazes de aumentar a escala, a eficiência e a análise de dados. A resposta não tardaria.

Com a entrada da inteligência artificial, o que está realmente a mudar?

A inteligência artificial, na sua forma mais visível – os modelos generativos de linguagem como o ChatGPT –, entrou de rompante nos bastidores da comunicação em 2023. Mas a verdadeira revolução começou antes, com ferramentas de automação de processos como o Meltwater, o Notified ou o PRgloo, que já permitiam analisar sentimento, mapear influência e prever alcance mediático.

Com a chegada da Inteligência Artificial generativa, o jogo mudou. Tornou-se possível, com uma simples prompt, redigir um comunicado de imprensa em segundos. Não apenas um rascunho — um texto plausível, estruturado, gramaticalmente correto e com tom formal.

As mudanças mais significativas verificam-se nas seguintes áreas:

1. Criação de conteúdos

Ferramentas como o Jasper AI ou o Copy.ai começaram a ser usadas por agências para gerar rascunhos de comunicados, discursos e FAQs. Isto permite poupar tempo em tarefas repetitivas e gerar rapidamente versões alternativas para testes A/B.

2. Análise de sentimento

Sistemas como o Talkwalker e o Brand24 aplicam modelos de Inteligência Artificial a milhões de publicações, identificando se a perceção pública sobre uma marca é positiva, negativa ou neutra, muitas vezes em tempo real. Isto é particularmente útil em contextos de crise.

3. Segmentação de jornalistas

Plataformas como o Prowly ou o Muck Rack aplicam machine learning para recomendar jornalistas com base no conteúdo que publicaram recentemente, tornando os media lists mais eficazes.

4. Otimização de distribuição

A Inteligência Artificial consegue identificar padrões de abertura de emails, temas com maior taxa de publicação e horários ideais para envio — baseando-se em dados históricos e variáveis contextuais.

5. Relatórios inteligentes

A geração de relatórios automáticos com visualização gráfica de KPIs — como AVE, número de citações, menções por canal, alcance e engajamento — deixou de ser um trabalho manual. Hoje, um dashboard atualizado em tempo real substitui várias horas semanais de trabalho.

Apesar destes avanços, a adoção da Inteligência Artificial não é apenas técnica — é cultural. O maior desafio das agências está em perceber como integrar esta capacidade sem destruir o ADN da comunicação: a relevância humana.

Vantagens concretas da Inteligência Artificial, o que se ganha?

A inteligência artificial na assessoria de imprensa não está apenas a introduzir novas funcionalidades – está a desbloquear novas formas de pensar, agir e medir impacto. A sua principal promessa é libertar o tempo e o pensamento estratégico dos profissionais, enquanto eleva a capacidade analítica e operacional das equipas.

Detalhamos as vantagens com maior impacto prático e estratégico:

1. Eficiência operacional e produtividade

O tempo médio para redigir um press release convencional pode variar entre 2 a 4 horas, dependendo do grau de complexidade e revisão. Com ferramentas de Inteligência Artificial, este tempo reduz-se para minutos. Isso permite que as equipas criem mais versões, testem ângulos diferentes e cheguem mais rapidamente ao “tempo útil” da notícia.

Um estudo conduzido pela McKinsey & Company em 2023 revelou que a automação de processos de comunicação pode aumentar a produtividade até 45% em equipas de marketing e PR.

2. Personalização à escala

A Inteligência Artificial permite que o mesmo comunicado seja adaptado a diferentes jornalistas, regiões ou segmentos, alterando subtis elementos como o título, o ângulo principal ou as estatísticas utilizadas. Antes, este tipo de trabalho era quase impossível em larga escala. Hoje, é exequível em minutos.

Esta capacidade não só aumenta a taxa de abertura e publicação dos comunicados, como reforça a perceção de cuidado e relevância editorial – algo essencial numa altura em que os jornalistas enfrentam sobrecarga de informação.

3. Deteção de tendências e antecipação de crises

A análise preditiva aplicada à reputação digital é uma das ferramentas mais poderosas da Inteligência Artificial. Plataformas como o Brandwatch conseguem identificar alterações no tom, no volume e na fonte das menções a uma marca antes mesmo de estas se tornarem problemas visíveis. Assim, a assessoria de imprensa passa a atuar de forma proativa e não apenas reativa.

4. Relatórios em tempo real com análise aprofundada

Antes da Inteligência Artificial, a criação de relatórios era um processo moroso, com muitas vezes pouca profundidade interpretativa. Hoje, os dashboards de IA não só mostram o que aconteceu – mostram porque aconteceu. Qual foi a frase que gerou mais partilhas? Qual foi o meio com maior impacto? Que tipo de imagem teve melhor performance?

A Inteligência Artificial transforma dados em insight. E transforma insight em ação.

5. Melhor uso do talento humano

Ao delegar à Inteligência Artificial tarefas repetitivas ou técnicas, os profissionais podem concentrar-se no que realmente diferencia uma boa assessoria: pensar estrategicamente, construir relações, aconselhar líderes e gerir contextos sensíveis com inteligência emocional.

O reverso da medalha da Inteligência Artificial, o que se perde?

Apesar das vantagens evidentes, a introdução massiva de inteligência artificial também traz perigos – subtis mas reais – que, se ignorados, podem corroer os fundamentos da comunicação autêntica. A seguir, exploramos os principais riscos da integração da IA na assessoria de imprensa, com exemplos práticos e implicações estratégicas.

1. A tentação da superficialidade

A Inteligência Artificial é rápida, mas não é profunda. Muitos conteúdos gerados automaticamente são formulaicos, repetitivos ou desprovidos de contexto cultural. Um press release sem alma não convence. Não basta parecer informativo – tem de ser relevante, oportuno e emocionalmente inteligente.

Vários testes realizados pela revista PR Week em 2023 mostraram que jornalistas identificavam com facilidade os comunicados escritos por IA, e reagiam com desconfiança a conteúdos excessivamente polidos ou impessoais.

2. Homogeneização do discurso

Se todos usam os mesmos prompts nas mesmas ferramentas, os resultados tornam-se previsíveis. A diferenciação desaparece. A Inteligência Artificial corre o risco de matar a criatividade, reduzindo a comunicação a uma coleção de lugares-comuns e frases feitas. A riqueza da assessoria está na subtileza – e a IA ainda não domina a arte do subtexto.

3. Erros factuais e enviesamentos

A Inteligência Artificial trabalha com base em dados e padrões, mas não verifica factos por si mesma. Se os dados de origem estiverem errados, enviesados ou descontextualizados, os outputs serão igualmente falhos. Num cenário de assessoria de imprensa, isso pode significar o envio de informação incorreta aos media – um erro potencialmente desastroso para a credibilidade da marca.

4. Falta de accountability

Quem assina um comunicado escrito por IA? Quem assume a responsabilidade por uma declaração mal interpretada, um dado inventado ou uma frase insensível? A Inteligência Artificial pode ser uma ferramenta, mas não pode ser responsabilizada. A responsabilidade continua a ser 100% humana.

5. Desvalorização do talento

Quando mal utilizada, a IA pode conduzir à substituição de profissionais seniores por operadores de plataformas. Isso não só compromete a qualidade da comunicação, como enfraquece o tecido profissional do setor. A experiência não é substituível por algoritmos. Uma má decisão de comunicação tomada com base num insight artificial pode custar anos de reputação.

A fronteira ética, o que podemos automatizar sem perder humanidade?

A entrada da inteligência artificial no universo da assessoria de imprensa levanta um dilema incontornável: até onde podemos automatizar sem comprometer os princípios éticos, a autenticidade da comunicação e a responsabilidade profissional? A resposta não é simples, e exige uma abordagem ética multidimensional.

1. Transparência na autoria

Um comunicado gerado por IA deve ser identificado como tal? Se não for, estamos a induzir os media e os stakeholders em erro? Em contextos como o setor financeiro, saúde ou política, a transparência de origem da informação é um pilar ético essencial. Um conteúdo automatizado pode ser tecnicamente correto, mas eticamente duvidoso se não for claramente identificado.

A Comissão Europeia, através do AI Act, propõe obrigações legais para identificar quando um conteúdo é gerado total ou parcialmente por inteligência artificial. A assessoria de imprensa deverá, portanto, adaptar-se a novas normas de transparência e integridade editorial.

2. Privacidade dos dados

A IA funciona com base em grandes volumes de dados. Quando esses dados envolvem informações pessoais, de jornalistas ou stakeholders, é necessário garantir a conformidade com o RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados). O uso de dados sensíveis sem consentimento para personalizar mensagens pode configurar uma violação legal.

3. Enviesamento algorítmico

Os modelos de IA refletem os dados com que foram treinados – e esses dados podem conter enviesamentos de género, raça, classe ou região. Há registo de sistemas que, ao gerar comunicados sobre líderes empresariais, atribuíam automaticamente o masculino como género dominante. A assessoria de imprensa deve estar atenta a estes vieses e corrigi-los proativamente.

4. Responsabilidade editorial

Independentemente do uso da IA, a responsabilidade do conteúdo emitido é sempre humana. Os assessores de imprensa não podem delegar no algoritmo a tarefa de verificar factos, avaliar impacto reputacional ou considerar implicações sociais. A IA deve ser vista como um assistente — nunca como um substituto.

Inteligência Artificial como aliada estratégica das Relações Públicas, o futuro desejável

O uso inteligente da IA não implica substituição, mas amplificação. O futuro desejável é aquele em que a inteligência artificial colabora com a inteligência humana, elevando o impacto da comunicação sem comprometer os seus valores.

1. IA como copiloto, não piloto

A metáfora do “copiloto” tem sido amplamente usada por gigantes como a Microsoft para descrever o papel ideal da IA: um assistente que acelera processos, sugere ideias e automatiza tarefas técnicas, mas que nunca substitui o julgamento humano. A assessoria de imprensa deve adotar esta abordagem – IA como acelerador, não como condutor.

2. Integração com pensamento estratégico

A IA pode ajudar a interpretar dados, mas não define objetivos de negócio. Só o ser humano compreende o contexto político, económico e cultural em que uma marca opera. A estratégia de comunicação continua a depender da visão e experiência humana. A IA deve alimentar essa visão com insights, e não condicioná-la com regras.

3. Formação contínua

As agências e departamentos de comunicação devem investir na formação dos seus profissionais para que saibam trabalhar com IA de forma crítica. Entender como funciona um modelo de linguagem, quais os seus limites e como validar os seus outputs é hoje uma competência-chave para assessores de imprensa.

A visão dos especialistas

Os líderes do setor de comunicação e relações públicas mostram-se cautelosamente otimistas em relação à IA. Numa sondagem conduzida pela Edelman Intelligence em 2024 com 600 profissionais de comunicação de topo:

  • 92% afirmaram que a IA terá um impacto positivo na eficiência das suas equipas
  • 68% indicaram preocupações éticas sérias com o uso não supervisionado da IA
  • 55% defendem que a IA deve ser usada apenas para tarefas técnicas e nunca para substituir pensamento crítico

Já a PRCA (Public Relations and Communications Association) publicou um white paper onde alerta para os riscos da “comunicação automática desumana”, e recomenda a criação de códigos de conduta para o uso ético da IA em comunicação institucional.

A nova relação com os media: confiança versus automação

A relação com os jornalistas continua a ser o coração da assessoria de imprensa. E essa relação baseia-se em confiança. A IA não deve interferir neste contrato implícito de credibilidade e transparência. Pelo contrário: deve reforçá-lo.

Quando um jornalista recebe um comunicado personalizado, com contexto, bem estruturado e útil, pouco importa se partes dele foram geradas com IA – desde que o resultado final respeite os valores jornalísticos. O problema começa quando o jornalista sente que está a ser enganado por uma máquina ou manipulado por algoritmos.

A confiança não é automática. Constrói-se com tempo, consistência e integridade. E isso nunca será automatizável.

O futuro da assessoria de imprensa será humano com IA, não IA sem humanos

A inteligência artificial veio para ficar. Está a transformar não só os processos da assessoria de imprensa, mas também as expectativas dos stakeholders, o papel dos profissionais e os próprios valores da comunicação empresarial.

No entanto, esta revolução não precisa de significar uma ruptura. Pelo contrário: a IA pode ser o catalisador para um novo ciclo de valorização da assessoria de imprensa – mais estratégica, mais inteligente, mais eficaz.

O segredo? Não é substituir pessoas por algoritmos. É capacitar pessoas com algoritmos. Usar a IA para o que ela faz melhor – velocidade, escala, análise – e deixar aos humanos o que só eles sabem fazer: pensar, criar, relacionar-se, sentir.

A assessoria de imprensa que souber combinar o melhor da máquina com o melhor do humano será a que dominará o futuro.

Apresente-nos o seu desafio e objetivos de negócio e iremos desenhar uma proposta à medida das suas necessidades.

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